Nos atuais tempos de confinamento e restrições, todos, de uma forma ou de outra, sentimos o impacto das perturbações que a pandemia causou nas cadeias de valor. Seja como consumidores (aquela encomenda que nunca mais chega…) seja a nível profissional, através das dificuldades em obter matérias-primas e componentes, em satisfazer os clientes ou em obter material de proteção individual, entre tantos outros exemplos que poderíamos citar.
Neste contexto é oportuno identificar corretamente as oportunidades de melhoria que se nos apresentam, sobretudo, em termos de organização e gestão das cadeias de valor.
PULL FLOW
Um dos pilares do Lean, oriundo do Sistema de Produção Toyota, é o Just-In-Time, que pode ser descrito, resumidamente, como a capacidade de produzir, no momento certo, e na quantidade exata, o produto de acordo com o que cliente deseja. O Pull Flow é um dos elementos do Just-In-Time. Traduzido literalmente significa “fluxo puxado”.
O conceito Pull Flow surgiu como forma de resposta às limitações dos sistemas tradicionais de planeamento:
• Diferenças importantes entre o que é planeado e as necessidades diárias dos clientes;
• Muito material em curso, mas nem sempre aquele que é necessário;
• Pouca eficiência na comunicação das verdadeiras necessidades aos processos a montante
Estas limitações foram amplamente ilustradas nos estudos de Jay Forrester, cujos resultados surgem publicados no livro Industrial Dynamics. Nesta publicação aplica-se o termo “Efeito Chicote”, também conhecido como Efeito Forrester, para ilustrar o fenómeno observado em muitas cadeias de valor em que uma pequena variação da procura final chega a ser interpretada e tratada pelos intervenientes a montante como uma variação de 50% ou mais.
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Uma das formas de combater e minimizar este efeito é a aplicação do Pull Flow. Em vez de planear as várias etapas do processo centralmente, pretende-se programar um ponto da cadeia de valor. O consumo deste ponto da cadeia de valor vai “puxar” dos processos fornecedores as quantidades estritamente necessárias.
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O processo a jusante fornece ao processo fornecedor, dentro da mesma fábrica ou situado a grande distância, informação sobre os produtos que necessita, qual a quantidade, quando e onde necessita deles. Esta informação assume, normalmente, a forma de kanban e obedece ao princípio do heijunka, ou nivelamento, como forma de proteger as operações de produção da variação.
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Assim sendo, o processo a montante só fabrica e fornece o produto na sequência das instruções recebidas. É o oposto da produção dita “empurrada”, em que os processos fornecedores fabricam lotes consideráveis de acordo com um planeamento centralizado e os enviam ao processo a jusante, sem terem em conta o seu ritmo de consumo.
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MODELOS PULL EM CONTEXTOS VOLÁTEIS
O atual contexto de imprevisibilidade e mudança de paradigmas resulta, na prática, em maior variação sentida, em necessidade de maior flexibilidade e, sobretudo, em menor tempo para planear e decidir.
Tudo isto faz com que seja ainda mais importante o recurso a cadeias de valor mais ágeis e flexíveis, incorporando os conceitos Pull. Apesar dos exemplos acima serem provenientes da indústria, estes conceitos aplicam-se a processos de variados domínios.
Para a sua aplicação com sucesso é fundamental que as organizações estejam apetrechadas com o conhecimento necessário à implementação destas soluções e que também se preparem para novas formas de desenhar e dimensionar os processos. No passado recente, a melhoria das cadeias de valor seguia um ritmo próximo do anual, com análise, definição de melhoria e cálculo de parâmetros (por exemplo, dos stocks normalizados, dos stocks de matéria-prima, dos kanbans) a ocorrerem com essa frequência e bastante baseadas em folhas de cálculo. Com o acelerar do ritmo das mudanças (que já se observava pré-pandemia) todo este esforço tem de ser feito mais vezes. Se todo o processo for lento, há um grande risco de produzir resultados desatualizados.
Por este motivo são hoje muito importantes:
· Processos automatizados de cálculo de parâmetros de stocks (stock mínimo, nível de reposição, quantidade a produzir, quantidade a encomendar) ligados aos softwares de gestão.
· Sistemas de monitorização e alerta como ajuda à tomada de decisão:
o Seguimento em tempo real dos níveis de stocks
o Monitorização dos prazos de entrega
o Monitorização das roturas de stock
o Alertas/encomendas automáticas ao atingir o nível de reaprovisionamento
o Kanban eletrónicos, internos ou externos
· Modelos de simulação dos processos para acelerar o processo de desenho/melhoria das cadeias de valor:
o Explorar possibilidades – Testar o impacto de variantes do processo, procedimentos ou afetação de recursos, sem perturbar o normal funcionamento das operações.
o Avaliar o impacto de alterações nos parâmetros do processo
o Submeter o processo modelizado à variação da procura, da performance dos equipamentos, dos recursos, de forma a avaliar a robustez do processo num cenário realista
o Validar resultados esperados e antecipar riscos
EM SÍNTESE
O Pull Flow, apesar de ser praticado, em alguns contextos, há décadas, ainda não vê todo o seu potencial plenamente aproveitado. A sua implementação requer dados claros e facilmente acessíveis, sólidos conhecimentos, canais de comunicação bem estruturados, bem como bastante prática e disciplina. No entanto a volatilidade veio para ficar, o que reforça a necessidade de, quase constantemente, se terem de reorganizar as cadeias de valor. Se não ao nível da sua estrutura e elementos, pelo menos ao nível dos diversos parâmetros que a regem.
As mais recentes ferramentas digitais (ao nível da recolha e visualização de dados, ao nível da simulação, ao nível do trabalho colaborativo à distância, entre outros) abrem novas possibilidades no sentido de facilitar a atualização de parâmetros, de simular cenários e acelerar a transformação das cadeias de valor.
REFERÊNCIAS
Toyota Motor Corporation: The TPS concept
Toyota Motor Corporation: Basic concept of the Toyota Production System
https://www.toyota-global.com/company/history_of_toyota/
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