RESUMO
Neste artigo falamos sobre a fiabilidade, as técnicas que permitem o seu estudo e, mais concretamente, exploramos a importância do estudo da fiabilidade do produto.
FIABILIDADE - DEFINIÇÃO
Já todos ouvimos falar de fiabilidade e quase todos já usamos o termo, seja a nível profissional, seja a nível pessoal.
Sempre que vamos comprar um equipamento, procuramos, intuitivamente, uma opção que seja fiável, ou seja, que não avarie. Para isso procuramos informação do fabricante ou de entidades independentes que mostrem algum indicador que seja útil para a decisão a tomar. Como veremos adiante, existem vários indicadores que medem a fiabilidade. Quando não existem dados, procuramos falar com pessoas que tenham equipamentos semelhantes de forma a obtermos algum tipo de informação sobre a sua experiência, ao longo do tempo, com os mesmos.
A fiabilidade define-se como a capacidade de um equipamento ou produto funcionar bem, ao longo de um determinado tempo, em determinadas condições.
Vamos usar um exemplo que todos conhecemos para melhor explicar as três ideias chave da definição de fiabilidade. O exemplo é o da bateria de um telemóvel e a característica em estudo é a sua autonomia, em horas.
Funcionar bem, significa que a característica em estudo cumpre a especificação. Esta é também a definição mais elementar de Qualidade. Numa perspetiva mais moderna de Qualidade, diz-se que a qualidade é tanto melhor quanto maior a proximidade ao nominal da característica em estudo.

Voltando ao exemplo, se a autonomia nominal da bateria é de 30 horas, com um limite inferior de especificação de 25 horas, então podemos dizer que uma unidade com uma autonomia de 29 horas tem mais qualidade que uma unidade com autonomia de 26 horas. No entanto, ambas são conformes, ou seja, funcionam bem. Assumindo que o processo de fabrico e o sistema de garantia de qualidade do fabricante de baterias são eficazes, a percentagem de baterias que saem da fábrica com autonomia inferior a 25 horas será aproximadamente zero.
Depois de começarmos a utilizar os equipamentos ou produtos, há uma tendência natural para a degradação dos mesmos ao longo do tempo o que se vai refletir nas suas características. Assim, é de esperar que a bateria do telemóvel que tinha uma autonomia de 29 horas em nova, tempo zero, continue a apresentar autonomia de 29 horas ao fim de uma semana. No entanto, depois de 6 meses de uso, a autonomia será provavelmente menor e poderá estar já abaixo das 25 horas que são o limite inferior de especificação. De notar que o conceito de degradação ao longo do tempo nem sempre é medido em horas ou dias. Em alguns casos é mais interessante medir número de ciclos, número de kms percorridos, ou outros.
Podemos concluir então que a fiabilidade é uma característica dinâmica da qualidade, ou seja, mede a manutenção da performance ao longo do tempo de vida do equipamento ou produto.
Importa ainda referir que a tendência para a degradação da qualidade, é normalmente afetada pelas condições de utilização. Isto quer dizer que a manutenção da performance vai depender da forma como o equipamento ou produto é utilizado, e por isso os fabricantes costumam definir quais as condições para a medição da performance no tempo zero e quais as condições para a manutenção dessa performance durante a utilização. Por exemplo, no caso da bateria do telemóvel, é normal vermos na ficha técnica o intervalo de temperatura ambiente normal para a sua utilização. Também é normal vermos instruções sobre como fazer o carregamento da bateria.
UTILIDADE PRÁTICA
O estudo da fiabilidade desenvolveu-se a partir dos anos 20 do século XX, pela necessidade de melhor compreender e aperfeiçoar o funcionamento de equipamentos e produtos cada vez mais complexos. Deu um grande passo durante a Segunda Guerra Mundial e mais tarde com o nascimento e evolução exponencial da era eletrónica.
Para suportar os estudos de fiabilidade, utilizam-se técnicas estatísticas mais ou menos avançadas, que vão desde simples cálculos aritméticos até à análise probabilística de distribuições de dados como a Exponencial ou Weibull.
Nestes estudos, importa distinguir produtos reparáveis, como por exemplo os telemóveis, dos não reparáveis, como por exemplo as lâmpadas.
Nos produtos reparáveis, o indicador de fiabilidade mais comum é o MTBF ou Mean Time Between Failures (tempo médio entre falhas). O cálculo deste indicador faz-se da seguinte forma:

Exemplificando, imaginemos um telemóvel que ao longo de um ano de utilização sofreu 3 falhas ou avarias. O seu MTBF é de 365*24/3=2.920 horas.
Já nos produtos não reparáveis, o indicador típico é o MTTF ou Mean Time To Fail (tempo médio até falhar). Para o calcular, é necessário medir o tempo de vida de várias unidades e calcular a sua média:

Exemplificando, se os tempos de vida de 5 lâmpadas forem 3.520, 4.560, 5.610, 4.870 e 3.986 horas, o MTTF será de 4.509,2 horas.
Outro indicador importante de fiabilidade é a Taxa de Falhas, representado pela letra grega λ, que se define como a probabilidade de um produto falhar numa (pequena) unidade de tempo.
Se Nf = número de falhas num pequeno intervalo de tempo, Δt
Ns = número de sobreviventes no momento t
A Taxa de Falhas calcula-se da seguinte forma:

Exemplificando, se tivermos 200 componentes sobreviventes após 400 segundos, e 8 componentes falharem nos próximos 10 segundos, a taxa de falhas após 400 segundos é de
λ(400)=8/(200*10)=0,004=0,4%
O que significa que devemos esperar que 0,4% dos componentes falhem em cada segundo.
Esta mesma taxa de falhas permite-nos entender um comportamento típico em muitos produtos, especialmente os complexos, que é a chamada “curva da banheira” que podemos ver no seguinte gráfico.

A primeira secção da curva representa uma taxa de falhas elevada, com tendência a decrescer com o tempo. Este comportamento está normalmente relacionado com problemas de fabrico nos produtos e que tendem a manifestar-se nos primeiros tempos de utilização. Do ponto de vista da satisfação do cliente, estas falhas prematuras são inaceitáveis e afetam seriamente a reputação dos fabricantes. Como tal, cada vez mais as empresas investem no desenvolvimento do produto e no processo de industrialização.
A secção central, ou vida útil, é o período durante o qual os produtos têm uma taxa de falhas constante e mais baixa, esperando-se que seja a grande maioria do tempo total de vida.
A última secção representa o aumento rápido da taxa de falhas, normalmente devido ao desgaste do produto ou dos seus componentes. O conhecimento sobre este momento do tempo de vida do produto é importante, por exemplo, para definir o período de garantia ou para ajustar o plano de manutenção preventiva.
EXEMPLOS PRÁTICOS
Ao longo dos anos temos vindo a ser solicitados para dar suporte ao estudo da fiabilidade de produtos. De seguida apresentamos, de forma resumida, alguns casos práticos.
Caso 1
Um fabricante de pneus anunciou um período de garantia por desgaste prematuro de 50.000 km’s. O Diretor Financeiro pediu ao Departamento de Engenharia para estimar qual a percentagem de pneus que iriam falhar antes da garantia terminar. Estes esperavam poder demonstrar que a percentagem de falhas seria inferior a 2,5%.
Foram recolhidos os seguintes dados, em intervalo, sobre o número de falhas de pneus provenientes de uma empresa de gestão de frotas. De notar que, neste caso, “falha” significa que a altura do piso do pneu se reduziu até 1,6mm.

Utilizando software estatístico de análise de dados, concluímos que a distribuição de Weibull é a que melhor representa estes dados. Para além disso e com base nos resultados da análise vemos:



Na prática, vemos que o MTTF é de 76.585 km, com um intervalo de confiança a 95% que vai de 75.633 a 77.549 km.
Vemos ainda que a probabilidade de sobrevivência até aos 50.000km é de 94,67%, com um limite inferior do intervalo de confiança 93,8%. Logo, a percentagem de pneus que vão falhar antes de acabar a garantia é de 5,33%.
Por outro lado, vemos que 2,5% das falhas já terão ocorrido aos 43,739 km, o que quer dizer que o Departamento de Engenharia não conseguiu provar a sua hipótese inicial.
Caso 2
Um fabricante de condensadores tinha lançado um novo modelo no mercado há um ano e precisava estimar os custos futuros com garantias de forma a fazer as necessárias provisões financeiras. O período de garantia era de 24 meses e o custo médio de cada falha 12 Euros. Sendo o plano de vendas dos meses seguintes de cerca de 15.000 unidades por mês.
A empresa reuniu os dados sobre todas as unidades vendidas nos 12 meses anteriores, contabilizando as falhas registadas no fim de cada mês, assim como as unidades em funcionamento ao fim de cada mês:

Após a análise estatística dos dados, vemos o seguinte:

A previsão de falhas e custos para os 12 meses do segundo ano de vendas aparece calculada na tabela. Nesta podemos ver que, no fim do segundo ano de vendas, devemos esperar um total de 21.552 falhas e um custo de 258.620 Euros. Com base nesta informação, a direção financeira teve a possibilidade de preparar os fluxos de caixa mensalmente com maior segurança. Por outro lado, o departamento técnico concentrou-se no redesenho do produto de forma a minimizar as falhas e consequentemente os custos.
EM SÍNTESE
A fiabilidade é uma característica cada vez mais importante para os clientes de qualquer produto ou equipamento. O bom funcionamento dos produtos ao longo de muito tempo é cada vez mais um dado adquirido.
A quantificação da fiabilidade pode ser feita de várias formas e envolve quase sempre a recolha de dados de falhas dos produtos. De seguida podemos usar esses dados para calcular o MTBF, o MTTF ou a Taxa de Falhas. Estas métricas podem depois ser usadas para comparar produtos alternativos e assim suportar a decisão de compra. Podem ainda ser usados para definir planos de manutenção preventiva ou mesmo para definir planos de contingência e assim minimizar o efeito das falhas.
Esta quantificação da fiabilidade influencia também a reputação da marca da empresa produtora. Reputação essa que tem um efeito direto nas vendas e consequentemente nos resultados da empresa.
Além disso, a correta quantificação da fiabilidade dos produtos, permite aos produtores atuar proactivamente nos seus processos e assim definir atividades de melhoria concretas. Estas atividades podem ser ao nível do desenho do produto ou ao nível da industrialização, onde se define a qualidade do processo produtivo, sendo estas o foco principal da metodologia DFSS (Design for Six Sigma).
Concluindo, esta é mais uma área de oportunidade para as empresas produtoras melhorarem os seus resultados, atuando sobre o aumento das vendas e, ao mesmo tempo, sobre a redução de custos.
Comentários