RESUMO
Neste artigo falamos sobre como eliminar desperdício com o Karakuri Kaizen, que podemos descrever como melhoria de processos utilizando automatização de baixo custo.
INTRODUÇÃO
Desde o início da industrialização tem-se procurado desenvolver e aplicar mecanismos que permitam substituir o esforço humano e reduzir as necessidades de mão de obra.
Assim, na primeira revolução industrial, aproveitou-se o vapor e a água para automatizar teares e outros equipamentos de produção. Na segunda revolução industrial, iniciada em 1870, tirou-se partido da eletricidade para um novo impulso na mecanização e na automação. Já a partir de meados do século XX, assistimos à introdução progressiva de robots na indústria.
Atualmente vemos, cada vez mais, robots a substituírem com vantagem o trabalho humano em variadas situações, permitindo realizar tarefas de forma mais rápida, mais precisa, com mais repetibilidade e também, realizar tarefas penosas e de elevado risco para as pessoas.
Com o advento da 4ª revolução industrial (Indústria 4.0) observa-se um crescente entusiasmo na utilização de robots colaborativos, que podem ser integrados em linhas ou células em que trabalham também pessoas, em adequadas condições de segurança.
A robotização e a automatização dos processos, com todas as suas potenciais vantagens, nem sempre tem permitido obter os resultados esperados, como veremos a seguir.
A automatização ou a robotização de um processo produtivo, para ser efetivamente bem-sucedida, deve ser precedida de um trabalho de análise e melhoria tendo em vista eliminar ou reduzir, previamente, tarefas que não acrescentem valor, e de uma análise custo-benefício, levando em linha de conta todos os fatores, que demonstre que a sua adoção se traduzirá num verdadeiro ganho económico.
Infelizmente, e com alguma frequência, a automação/robotização dos processos não obedece a estes cuidados, podendo-se observar, com alguma frequência, situações como as seguintes em que não houve redução de custos, bem pelo contrário:
Ganho da supressão ou redução de mão de obra direta como resultado da automação anulado pelo aumento de mão de obra indireta bastante mais cara (técnicos de manutenção, especialistas de programação) necessária a essa mesma automação.
Utilização de robots (em substituição de operários) para montagem de componentes, mas que requer um trabalho manual adicional de posicionamento desses mesmos componentes para poderem ser manipulados pelo robot, não dispensando assim a necessidade de pessoas
Utilização de robots para efetuar tarefas de transporte ou manipulação que poderiam ter sido eliminadas, dispensando assim a robotização
Mesmo em situações em que os cuidados referidos anteriormente foram tidos em conta, poderá a robotização não ser a melhor solução, pelas razões que a seguir se descrevem:
Valor considerável do investimento (pese a tendência de redução), tendo como consequência um prazo de amortização longo e um ROI baixo
Custo de exploração elevado:
Manutenção
Assistência técnica especializada
Energia
Consumíveis
Impacto ambiental, ligado ao consumo de energia
Aumento da complexidade
Vulnerabilidade face a falhas do equipamento
Uma abordagem alternativa, que iremos descrever mais à frente, tem dado boas provas e deve ser levada em linha de conta, pelas vantagens que oferece.
KARAKURI
A palavra Karakuri, na língua japonesa, significa dispositivo, mecanismo, artifício.
Na prática, refere-se a uma tradição de construção de karakuri ningyo, bonecos de madeira, verdadeiros autómatos, movidos através de corda e molas, tal como os mecanismos de relojoaria.
Embora essa tradição remonte, segundo consta, há mais de mil anos, os exemplares conhecidos são do século XVII.
Entre estes exemplares, o mais famoso karakuri ningyo é um boneco que serve chá. Este boneco movido a corda, usado para divertir os convidados, fazia um percurso de aproximação quando se lhe colocava nas mãos uma taça cheia de chá. Quando a taça, depois de retirada e esvaziada, era colocada de novo nas mãos do boneco, este fazia meia-volta e regressava à sua posição original.
Figura 1: Exemplo de karakuri ningyo
Este exemplo, na realidade semelhante a outros autómatos desenvolvidos no Ocidente, demonstra o potencial de utilização de energias verdadeiramente renováveis para levar objetos entre dois pontos.
No Japão, o desenho e a construção deste tipo de autómatos deu origem ao desenvolvimento de uma competência (podemos falar mesmo de uma cultura) que ainda hoje perdura. Por coincidência, a região onde se desenvolveu esta competência de desenho de mecanismos movidos a corda, molas e gravidade é a mesma região onde nasceu e se estabeleceu originalmente a Toyota Motor Corporation.
KARAKURI KAIZEN
Karakuri Kaizen pode ser descrito como a melhoria do trabalho pela utilização de mecanismos de baixo custo, tendo em vista aumentar a produtividade, a qualidade e a segurança.
Os sistemas Karakuri Kaizen caracterizam-se por não utilizar energia elétrica, hidráulica ou pneumática, mas sim princípios mecânicos simples, dispositivos como alavancas, polias e contrapesos, e a gravidade, molas e os movimentos de outras máquinas como fontes de energia.
Figura 2: Alguns princípios mecânicos simples utilizados no karakuri
Na Toyota, onde o Karakuri Kaizen é parte integrante do seu sistema de produção, os operadores e os chefes de equipas são formados nos seus princípios e técnicas, em áreas específicas de formação e treino (Dojo) e aplicam os conhecimentos resultantes na melhoria quotidiana dos processos de trabalho. O pessoal do Gemba é treinado para não utilizar expressamente energia elétrica, pneumática ou robótica nos dispositivos que desenvolve.
A relação custo-benefício que resulta deste esforço de melhoria é muito interessante, constituindo, entre muitos outros, um factor para a competitividade da empresa ao longo dos anos.
Os dispositivos Karakuri que se observam em empresas que praticam este tipo de melhoria servem, entre outros, para:
Aproximar o produto do operador
Mover o produto entre postos
Alimentar a máquina/posto com a peça a processar
Evacuar a peça processada
Abastecer o posto de componentes
Evacuar contentores vazios
Orientar o produto ou componentes para facilitar a montagem
Distribuir uma quantidade exata de componentes
Facilitar o manuseamento de cargas pesadas ou volumosas
Transportar materiais entre setores
Prevenir ou detetar o erro (poka yoke)
Controlar, por exemplo dimensionalmente, a peça processada
Figura 3: Dois dispositivos que permitem levar a peça ao posto seguinte
Figura 4: Dispositivo para aproximar o operador do ponto de valor acrescentado
Figura 5: Dispositivo para facilitar a evacuação de embalagem vazia
VANTAGENS DO KARAKURI
O Karakuri apresenta as seguintes vantagens:
O investimento requerido é muito baixo
Pode ser desenvolvido em prazo muito curto
O seu custo de funcionamento é mínimo, dado que não utiliza energia
Requer muito pouca manutenção
Pode ser facilmente modificado e melhorado
Não tem impacto ambiental
É realizado pelas pessoas do terreno, que conhecem bem os processos
Enquadra-se no espírito da melhoria contínua
Estas vantagens fazem do Karakuri Kaizen uma alternativa muito interessante à automação e robotização utilizando meios sofisticados.
Infelizmente, são ainda poucas as empresas que beneficiam das vantagens da aplicação destes dispositivos de baixo custo. Muitas empresas continuam a privilegiar soluções tecnologicamente complexas, em situações que não as justificam. Esta realidade tem sido potenciada, em alguns casos, pelo entusiasmo gerado pela Indústria 4.0.
A melhoria contínua utilizando dispositivos Karakuri requer que seja dada formação nos seus princípios pessoas que operam os processos no terreno, e autonomia na sua aplicação e desenvolvimento.
EM SÍNTESE
O foco da melhoria contínua deve se sempre servir melhor o cliente, ao mais baixo custo possível. Tal passa por identificar e reduzir incessantemente o que não acrescenta valor, e utilizar meios económicos que permitam obter a qualidade requerida.
O Karakuri Kaizen permite atacar, a um custo muito baixo, situações onde há oportunidades de melhoria ligadas à produtividade, à qualidade e à segurança. E tudo isto fazendo participar e desenvolvendo as competências das pessoas.
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